A modelo Kendall Jenner, a penúltima do clã Kardashian, já usa transparências há meses, mas ultimamente parece que não há uma semana que não mostre o peito. Na noite da última sexta-feira, ela apareceu com um Chanel azul feito de tecido transparente e penas num evento em Nova York que teve como foco uma retrospectiva do saudoso Karl Lagerfeld. Para a after party do Met Gala, a estilista Nensi Dojaka recriou-lhe um look da coleção ‘Spring Ready To Wear’ de 1994 da Chanel, que consiste num body de lantejoulas transparente com um arreio preto e detalhes de roupa interior.
Apenas alguns dias antes, uma agência fotografou Jenner noutro top transparente que revelava os seus seios. Ele fez isso numa das suas saídas com o cantor porto-riquenho Bad Bunny, fora de um ato oficial. E foi justamente essa imagem, junto com outra parecida da modelo Bella Hadid, que pareceu deixar como certo nas redes que as transparências são tendência. Pelo menos entre as celebridades, porque nem mesmo muitas das mulheres que gostariam de sair com roupas que revelassem os seios o fariam. O motivo não era tanto vergonha, ou falta de confiança no seu próprio corpo, ou algum outro obstáculo mental. O motivo são principalmente os homens, o mesmo que tem levado cada vez menos mulheres a fazer topless nas praias.

“Eu faria isso todos os dias se não fosse pelo pequeno inconveniente que os homens existem”, escreveu uma no Twitter. “Todas pensamos quando vimos este tweet o quanto gostaríamos de usar esse outfit e o único impedimento são os homens”, respondeu outra. Milhares e milhares de mulheres davam-lhes razão.
Elogios, assobios e olhares maliciosos fazem parte do assédio nas ruas e é difícil encontrar uma única mulher que o não tenha sofrido. O relatório Inseguro nas ruas: experiências de assédio coletivo de rua em raparigas e mulheres jovens, elaborado pela ONG Plan International, mostrou que, para 49% das participantes do estudo, essas situações em espaços públicos “acontecem com tanta frequência” que já estão acostumadas. O trabalho contou com o testemunho de 750 pessoas de Delhi, Kampala, Lima, Sidney e Madrid onde 4 em cada 5 mulheres disserem ter experimentado assédio sexual num espaço público, pese ser uma forma de violência machista contemplado pelo Código Penal.
Assim, têm lugar as transparências em cidades e vilas onde o medo é assumido e o assédio é endêmico? Muitos duvidam.
A censura dos mamilos
Porque nem as celebridades se salvam. Os mamilos da estrela de ‘Don’t Worry Darling’, Florence Pugh, foram trending topic após aparecer num vestido transparente. Muitos comentários reprovadores que não julgaram tanto a sua nudez, quanto o facto de ela se sentir confortável com os seus “seios pequenos”, como indicou a própria actriz, que antecipou a reação violenta. “Quando vesti aquele vestido incrível de Valentino, sabia que não haveria como deixar de comentar sobre ele”, escreveu ela num post no Instagram dois dias depois. “O que é interessante ver e testemunhar é como é fácil para os homens destruir totalmente o corpo de uma mulher, em público, com orgulho, para todos verem”, continuou ela.
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“Os corpos das mulheres estão continuamente a ser sexualizados. Mesmo com a amamentação, até mesmo o acto de alimentar o filho, alguém pode estar a olhar para o nosso mamilo. É quase um crime [mostrar os seios em público]. Florence sabia que isso ia acontecer, que ia causar polémica… “O facto de eu ter que responder ao que foi dito sobre isso mostra que, por mais que acreditemos que somos livres, ainda estamos muito presas a normas sociais restritivas”, disse Shakaila Forbes-Bell, psicóloga de moda com sede em Londres e autora de ‘Big Dress Energy’.
É uma tendência
Entretanto é sexta-feira, 5 de maio, e uma notificação da app Zara indica que há novidades na cadeia Inditex. Mais uma semana, o catálogo inclui saias, vestidos e tops totalmente transparentes. De acordo com o relatório semestral da Clearpay, plataforma de pagamentos e patrocinadora da London Fashion Week, peças quase inexistentes vêm causando impacto há pelo menos um ano, impulsionadas por influencers como a cantora e empresária Rihanna.
Dizem que esta tendência de vestir uma silhueta sexy surgiu no início da pandemia. Primeiro vieram os bralettes, espartilhos e bodys e, agora, as transparências. No entanto, cabe lembrar que os ‘naked dress’ já era vistos nos anos 90, com Kate Moss no comando e aquele heroin chic (ou magreza extrema). A diferença agora é que “todos os tipos de corpos são aceites”.

Talvez as mulheres vejam Kendall Jenner e pensem que não teriam coragem porque não têm essas medidas, ou essa fisionomia, ou estão tão jeitosas. Por trás de toda a questão do pudor e dos complexos, que sempre as acompanham. Mas também é verdade que esse tipo de vestido ou estética vai continuar e cada vez melhor. Mesmo que o não façam desde o início, vão continuar. Não só pela moda, mas também porque “muito feminismo e as novas gerações internalizaram que o assédio não está relacionado com o que se veste”. A falta de uso do soutien, e a libertação que supõe.
Mudança de acordo com o tempo
Foi logo após a Grande Depressão que a indústria estilizou a figura feminina para lançar as bases de um cânone de beleza que continua muito exigente (e parece estar a piorar).
Por isso, se a visibilidade do corpo humano era celebrada naquela época de crise financeira global, não parece estranho que agora se mostre mais carne, ainda mais quando diferentes movimentos feministas defendem a ideia de que as mulheres podem fazer o que querem com os seus corpos, ou quando movimentos como Free the nipple (libertem o mamilo) reivindicam o direito de mostrar os seios. Outros especialistas, por outro lado, acham que todas essas peças transparentes não são tanto sobre feminismo quanto sobre marketing, como diz Kirsty Fairclough, da Manchester Metropolitan University. “É uma tentativa desesperada das celebridades de reviver as suas marcas”, disse ele. Até a Mango criou um vestido transparente na sua coleção com Camille Charrière no Natal passado.
Imagens: divulgação . . Naked dresses: o mundo está pronto para ver mamilos?
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