Há um novo arquétipo de loira a surgir de uma longa história de cliché e objetificação. Mas para entender essa mudança explosiva, é importante saber de onde vem a bomba.
Estrume de pombo. Urina de cavalo. Lama. Peróxido e amónia. Flocos de sabão, alvejante, sumo de limão. Pó de ouro e corante feito de açafrão, a especiaria mais cara do mundo. Todos eles têm algo em comum: a obsessão implacável da humanidade pelo loiro.
As pessoas ao longo do tempo e das civilizações submeteram as suas fibras capilares a todos os itens acima na procura de se tornarem mais loiras. Há algo sobre o que significa ter cabelos dourados, ter o tipo de beleza sobre a qual os poetas escreveram épicos, o tipo que os soldados guardavam fotos granuladas em trincheiras, que faz com que revestir o cabelo com esterco de pombo pareça racional. Blonde (o filme da Netflix) é um sonho para se agarrar. Loiro é glamour, sexo. Quando pensamos numa “bomba loira”, pensamos não apenas na própria mulher, mas também no frenesim de desejo que a cerca. Pensamos, primeiro, em Marilyn Monroe.
A celebridade de Monroe deve-se ao seu hábito de peróxido e rituais de beleza bem documentados. Todos os sábados de manhã, ela voava com o seu colorista Pearl Porterfield (que também havia trabalhado com Jean Harlow) de San Diego a Los Angeles para pintar o seu cabelo naturalmente castanho de loiro na cozinha do seu bangalô em Los Angeles. Tão protectora do seu tom de marca registrada, Monroe não gostava de trabalhar num set de filmagem com outro actor loiro, recusando-se a filmar nesses casos. Com o cabelo pintado de loiro, era o centro da gravidade em todos os locais em que entrava. O loiro de Monroe é icónico porque significava desejo e controle.
Torna-se impossível não separar o contexto do que a loira representou em Hollywood do que queremos associar ao pintar o cabelo desta cor.
“É um loiro artificial muito distinto que não podemos esconder. É preciso muita manutenção; nunca há raízes à mostra. Não é apenas uma declaração, sim uma declaração muito cara”, diz Rae Nudson, autor de All Made Up: The Power and Pitfalls of Beauty Culture, de Cleopatra a Kim Kardashian. “Não podemos separar o contexto do que a loira representou em Hollywood do que queremos associar ao pintar o cabelo dessa cor. É com o que entramos na sala e a projeção que primeiro vem à mente.”
Nos últimos 60 anos, quando as pessoas pensam no termo “bomba loira”, pensam principalmente no glamour condenado de Monroe e numa longa procissão de mulheres brancas seguindo os seus passos em Hollywood. Mas o termo também acomodou mais membros. Há a cantora Joyce Bryant, apelidada de “Bronze Blonde Bombshell” e “The Black Marilyn Monroe”, que revestiu o cabelo com tinta radiante prateada e se apresentou com um vestido decotado com pele de vison prateada, parecendo tão imaculada que supostamente até Josephine Baker lhe ofereceu flores. A carreira de Bryant estava em alta antes da ascensão de Monroe. Assim, realmente, Monroe era “The White Joyce Bryant”.
Ainda assim, não nos podemos debruçar sobre o significado da loira no palco e na tela sem pensar em como isso tem sido uma abreviação de pureza racial em todos os países e linhas partidárias. Os Estados Unidos, a Alemanha e a União Soviética produziram muitos milhares de filmes que usavam a loira como símbolo da supremacia branca. The Blonde Captive (1932), Trader Horn (1930) e Blonde Venus (1932), protagonizado por Marlene Dietrich, que usava pó de ouro na sua peruca para brilhar ainda mais na câmara e cantou sobre a mestiçagem racial, também chamada de miscigenação (não é o seu melhor trabalho, para sermos gentis, e agora um gancho de performance drag).
Houve também, é claro, o King Kong original de 1933, um filme tão codificado racialmente que há rumores de que Hitler o assistiu obsessivamente no seu bunker no final da Segunda Guerra Mundial. Todos esses filmes protagonizavam donzelas loiras em perigo.
Mas a loira original, a mulher para quem o termo foi cunhado, foi Jean Harlow, que protagonizou Platinum Blonde em 1931 (quando Monroe tinha cinco anos). Harlow pintou o cabelo com uma mistura caótica de alvejante doméstico, flocos de sabão, amónia e peróxido – até que caiu e ela teve que usar uma peruca.
A personificação mais literal da história da origem da bomba loira pode residir na actriz (e artificialmente loira) Rita Hayworth. A sua aparência foi tão adorada que a sua imagem foi colada numa bomba usada para testar o poder da guerra atómica no Pacífico Sul no Atol de Bikini, nas Ilhas Marshall. Batizaram a bomba de Gilda em homenagem ao filme de Hayworth de 1946. Ela teria odiado o gesto.
Ficar loira em casa tornou-se possível em 1956, quando a Clairol introduziu os kits de banho de cor de cabelo Miss Clairol. A redatora Shirley Polykoff lançou o convite: “É verdade que as loiras se divertem mais?” num slogan e seguiu com uma das frases mais famosas da história da publicidade: “Se eu tenho apenas uma vida, deixem-me vivê-la como uma loira”. Ela imortalizou a loira não como um visual, mas como uma psicologia. Antes dessa campanha, 7% das mulheres americanas pintavam o cabelo. No final do tempo de Polykoff na conta da Clairol, mais de 40% das mulheres americanas pintavam o cabelo.
O impacto material de saber se as loiras realmente se divertem mais foi estudado com seriedade. As loiras ganham, em média, 7% a mais do que as não loiras, segundo pesquisa publicada em 2010 pela Universidade de Queensland, em Brisbane, na Austrália. Existe um “prémio de beleza” e estudos mostram que tê-lo torna as trabalhadoras mais confiantes, parecem ter maiores habilidades sociais e são consideradas mais produtivos pelos empregadores.
Hoje, há uma visão modernizada da paisagem loira, que não está focada na atratividade para o público masculino, mas sim numa abordagem sem restrições para conseguir uma aparência, uma autoconfiança que as pessoas querem chamar de si mesmas… Agora, quando as pessoas querem canalizar loiras bombásticas na cadeira do salão, elas não apenas fazem referência à tomada mais fria de Monroe ou Gwen Stefani, mas também Solange loira trançada, a era gelada de Zoë Kravitz, o cabelo ondulado cinza-claro de Teyana Taylor ou o platinado de Cynthia Erivo Buzz Cut.
A cabeleireira de Los Angeles Gregga Prothero dá aos clientes um aviso quando pensam em ingressar na categoria de loiras: “É uma afirmação que as pessoas vão notar e, para fazer isso em condições, deve-se converter num estilo de vida. É um compromisso e deve estar pronta para se juntar ao passeio.”
A colorista de celebridades Emaly B, cujos clientes incluem Scarlett Johansson, diz que a definição de uma loira bombástica mudou para se tornar menos virada para o sexo e mais para encontrar o tom certo para se adequar ao estilo pessoal da usuária. “Uma loira bombástica para mim é alguém super dinâmica, alguém por quem somos atraídos porque tem um estilo impecável, é interessante. Quando eu trato uma loira, quando ela sai do salão, percebe-se que a cor do cabelo une o seu estilo. Ela completa-o. Nem no lembramos com que cor podem ter começado.”
O loiro convida à fantasia e à criação de mitos. Não é de admirar que Hollywood tenha adoptado as suas versões mais extremas. Apenas 2% das pessoas em todo o mundo são naturalmente loiras. O resto de nós manifesta-o nas suas vidas por um tempo, por um custo, porque queremos algo diferente para nós mesmas.
Loiro, ou outra cor. A verdade é que podemos conseguir tudo o que desejamos. Com certeza chama mais atenção. Por um tempo. Por um preço. Beleza, afinal, tem um custo. Tu decides todos os dias se vale a pena pagar – e porquê.
Imagens: divulgação . . Ser loira nunca foi apenas uma questão de cor
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