Artigo de opinião | Jorge M. Salgado
A indústria da moda produz 400% mais do que há vinte anos atrás, e os danos ecológicos já são inegáveis. No entanto, existem propostas políticas e civis que procuram encontrar a solução definitiva com base em economias circulares.
Uma camisa, jeans ou camisola são usados, em média, apenas sete vezes. Mais tarde, acabam espalhados num dos enormes aterros sanitários localizados em países que importam roupas usadas (e que nunca terminam de reutilizar). O problema é sério: a indústria da moda produz 400% a mais do que há vinte anos e, segundo a Ecoalf, 63% desses produtos acabam em lugares que transformam um ecossistema em lixeira de roupas sujas.
Mas o problema é muito mais complexo do que desenvolver tecidos reciclados ou apostar no reaproveitamento, e isso tem levado atores internacionais como a ONU e a União Europeia a procurar novos caminhos para encontrar uma solução.
Esta não é uma questão menor, pois a produção em massa de roupas é uma das principais causas de desperdício de água no mundo, entre outros danos ambientais.
A respeito desse fenómeno, em 2019 foram divulgadas na imprensa internacional as imagens do ‘cemitério de roupas’ no deserto do Atacama, no Chile: um deserto que se transformou num depósito de lixo, pois funciona como depósito de enormes quantidades de peças de roupa que depois de terem sido feitos na Ásia, alguém as usou (e muito rapidamente as descartou) na Europa ou nos Estados Unidos. Das 59.000 toneladas de camisolas, jeans, camisas e sapatos de moda sazonal que chegam anualmente ao porto de Iquique, 39.000 vão parar ali, a céu aberto, causando danos ecológicos sem precedentes na região.
De acordo com um relatório da ONU de 2019, esta indústria dobrou a sua produção entre 2000 e 2014, tornando-se responsável por 20% do desperdício de água e poluição em todo o mundo. Por exemplo, para produzir um par de calças jeans, são necessários 7.500 litros de água. No entanto, de acordo com dados da Unicef, a cada ano 1.000 crianças morrem de doenças associadas à água contaminada ou à falta dela, 748 milhões de pessoas no mundo têm sérias dificuldades de acesso ao líquido vital, e em países como Moçambique, Papua Nova Guiné, e na República Democrática do Congo, mais da metade da população sofre com a falta de água potável.
O dano ecológico da ‘fast-fashion’
Cerca de 2.700 litros de água é o que uma pessoa bebe ao longo de dois anos. Mas, de acordo com os dados do relatório O impacto da produção têxtil e dos resíduos no meio ambiente do Parlamento Europeu, essa é exatamente a quantidade de água necessária para fazer uma camisa; como qualquer uma que acaba na lixeira do deserto do Atacama.
Além disso, acrescenta que a lavagem de materiais sintéticos gera anualmente 0,5 milhões de toneladas de microfibras que acabam nos oceanos; que representa 35% dos microplásticos primários lançados no meio ambiente. Uma única carga de roupa de poliéster na máquina de lavar pode derramar 700.000 fibras plásticas que acabam na cadeia alimentar.
E quando se trata de poluição por gases de efeito estufa, estima-se que a moda seja responsável por 10% das emissões globais de carbono: mais do que voos internacionais e transporte marítimo juntos. De acordo com a Agência Europeia do Meio Ambiente, de facto, as compras de têxteis na União Europeia geraram em 2017 o equivalente a 654 quilos de emissões de CO2 por pessoa.
Um plano de ação europeu para uma economia circular
Para atenuar o impacto ambiental causado pela moda, em março de 2020 a Comissão Europeia adotou um Plano de Ação para a Economia Circular, um roteiro que inclui estratégias para a reutilização e inovação de produtos têxteis. Um ano depois, em fevereiro de 2021, o Parlamento Europeu votou a favor desse plano, incluindo medidas adicionais para avançar para uma economia neutra em carbono, baseada na sustentabilidade, livre de produtos tóxicos e, acima de tudo, completamente circular em relação a 2050.
Em linhas gerais, o objetivo deste plano está virado para a reciclagem. Segundo o Parlamento Europeu, este é o início da solução para um problema silencioso que não será totalmente resolvido se não houver compromisso com a circularidade. A este respeito, Jan Huitema, do grupo político parlamentar europeu Renew Europe disse: “Para que a economia circular seja bem sucedida, todos os princípios da circularidade devem ser garantidos em todas as etapas da cadeia de valor. Da concepção à produção, até ao consumidor.”
Este plano de ação está associado a um guia em que a União Europeia pretende aumentar os níveis de reciclagem de todos os resíduos para entre 65 e 70% até 2030. Num debate sobre o assunto, os eurodeputados concluíram que só apostando na economia circular será possível cumprir o Pacto Verde Europeu. A origem do problema começa no design: até 80% do impacto ambiental de uma peça de roupa (ou produto) é determinado pelo seu design. Segundo o Parlamento Europeu, se algo não for feito a respeito, não será possível frear o consumo global de materiais, que deverá dobrar nos próximos quarenta anos.
Neste momento, todos os anos cerca de 8 milhões de toneladas de plástico acabam no mar. E os dados sobre esse problema não são nada animadores: se não coibirmos o uso (e descarte) indiscriminado de plásticos e roupas sazonais, em 2050 haverá mais plástico do que peixes nos mares.
Imagens: divulgação . . A sustentabilidade da moda é uma miragem?
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