Opinião | Cristina P. Matos
Já é tradição nestas datas: arvorezinha, guirlandas, penas, comprar presentes e ver filme natalícios na Netflix. Não importa qual: há dezenas deles para escolher, e a cada ano o catálogo cresce cada vez mais. E não me estou a referir a clássicos como ‘A Selva de Cristal’ ou ‘Go Santa Claus!’, mas sim ao cerne do que entendemos por “filme de Natal”, ou seja, uma produção onde sempre tem que haver muito amor por estes feriados, a ocasional canção de Natal, o Pai Natal a piscar o olho e a menina que odeia o Natal passando a amá-lo sem remissão.
Com o auge das redes sociais, ficou na moda comentar filmes natalícios – quanto mais adocicados e cursi melhor. Filmes como ‘Natal na Quinta do Azevinho’, ‘Crónicas de Natal’, ‘Grinch’, ‘Família Claus’ ou ‘Natal no Palácio’ misturam atores esquecidos com diretores que nunca tiveram chance e roteiros que são pagos a quilo. O resultado, tão previsível quanto lucrativo. Ho Ho Ho.
25 de dezembro, fun, fun, fun
Este ano, o TikTok decidiu qual é o pior filme de Natal de 2022, e a decisão foi sem dúvida, “Anjo de Natal”, do qual se destaca um clipe onde Chad Michael Murray patina claramente sem gelo ou patins.
A cena é hilariante e, como tal, tornou–se viral, mas aqui interrogo–me… E se não for tão mau quanto parece? E se houver um contexto para aquela cena que estamos a perder e for uma joia escondida? Então, peguei num chocolate quente, e enfiei-me debaixo do cobertor pronta para ver ‘Anjo de Natal’ do começo ao fim. Foi uma experiência dividida entre risos, confusão e tédio: não sei se é o pior filme de Natal, mas sei que são 80 minutos que nunca mais vou recuperar.
Posts Relacionados
Deixem-me atualizá-los com o enredo bizarro. Acontece que Ally é uma médica do serviço de urgências que adora o seu trabalho, mas, para surpresa de ninguém, odeia o Natal. Na verdade, o seu namorado, Josh, decide deixá-la porque ela está mais focada na sua carreira do que no seu relacionamento, algo ao qual ela responde decidindo mostrar-lhe que tem espírito natalício. Por sorte, felizmente, conhece Gabe, um homem que fala com uma voz estranhamente robótica e que decide ajudá-la a completar as tarefas natalícias autoimpostas para mostrar que sabe viver as festas ao máximo.
Tocada por um anjo
Essas tarefas de Natal incluem fazer biscoitos, decorar uma árvore ou cantar canções da Natal. Por alguma razão, Abby precisa de ajuda para todas elas, e Gabe está sempre presente para ajudar. Ora o homem é realmente um anjo que chegou (junto com outros dois) para lhe ensinar o significado do Natal e colocá-la de volta nos braços de Josh. Mas, infelizmente, ao longo do caminho ele está-se a apaixonar por ela e a perder os seus poderes. Se ainda se estão a interrogar como termina, desejo-vos boa sorte.
‘Anjo de Natal’ é um filme estupidamente complexo, propondo um universo que nem explica as regras: sim, é um filme de Natal, mas se quiserem ir um pouco além e propor uma hierarquia de anjos que ajudam altruisticamente, não vale a pena com três cenas em que se deixa cair que no dia 25 de dezembro terão que partir e que apaixonar-se por uma humana é normal. Por que razão há três anjos a ver se um casal aleatório acaba junto? Não há mais ninguém que precise de ajuda em toda a cidade? O porquê dessa estranha dedicação de Ally e Josh a ir para o jantar de Natal juntos?
O resultado desta mistura de despropósitos? Uma obra impossível de categorizar.
Eu sei o que muitos de vocês estão a pensar: é um filme de Natal, não é preciso pensar. E é verdade, mas é fascinante dentro da sua própria queda no vazio criativo. Tem todos os ingredientes do Natal (a decoração, as canções, a neve, o amor, os doces) mas ao mesmo tempo não tem nada de festivo. O argumento parece ter sido escrito numa tarde sem pensar no que está a contar, a direção não faz nenhum esforço e os atores estão a pensar mais em chegar em casa e ir à praia (não esqueçamos que estes filmes são gravados no verão) do que recitar os seus diálogos com um pouco de emoção. O resultado desta mistura de despropósitos? Uma obra impossível de categorizar.
O que um ator como tu está a fazer num lugar como este?
Flagrante é a presença de Chad Michael Murray, que na sua época foi um dos protagonistas de ‘One tree hill’ e agora é presença assídua em filmes como ‘Toying with the holidays’, ‘Surpresa de Natal’ ou ‘Escrever antes do Natal’. Aqui a sua voz soa estranhamente robótica, como se tivesse esquecido de agir. Na verdade, cada uma das suas frases é pronunciada no tom errado. Tanto que passei metade do filme a interrogar-me sobre o que aconteceu no set e por que ninguém o corrigiu. A seu lado, Jessica Lowndes, que apareceu em ‘90210’ e depois assinou filmes de Natal (‘I’m glad it’s Christmas’, ‘Natal na Mansão Pemberley’ ou ‘Rediscovering Christmas’). Mais do que um filme, é o resultado defeituoso de uma linha de montagem falida.
Curiosamente, o seu diretor, Jerry Ciccoritti, ganhou vários prémios no Canadá como diretor de episódios por, digamos, ‘Schitt’s Creek’, mas as suas decisões são tão bizarras quanto o próprio filme. Há até fades para preto no meio de uma cena que continua na próxima como se nada tivesse acontecido! ‘Anjo de Natal’ é muito mais do que a cena da patinagem sem patins: é um Frankenstein que quer ser mais do que é, mas sem se esforçar.
‘Anjo de Natal’ da Netflix
Mesmo que sejam fãs de todos os filmes de Natal, este vai parecer estranho para quem o vir. É um filme partido desde o seu núcleo, sem dinheiro para fazer tudo o que quer: sabemos sempre onde está o canhão de neve, não há gelo na pista de patinagem, faltam efeitos especiais, as piadas são menos engraçadas do que as cenas dramáticas e transmite a mesma sensação natalícia de ‘A Lista de Schindler’. Nenhum dos envolvidos em ‘Anjo de Natal’ queria fazer isso, e nota-se. Pela primeira vez, o TikTok acertou: evitem… ou aproveitem para o ver depois de muito (muito) champanhe. As gargalhadas, isso sim, estão garantidas.
Imagens: Netflix . . ‘Anjo de Natal’ da Netflix é o pior filme de Natal?
Deixa-nos deslizar nos teus emails. Inscreve-te para receberes a newsletter semanal do Tendências Online.
