Artigo de opinião | Filipe Soares
Para a maioria das mulheres, usar roupas femininas em público não é grande coisa. É algo que fazemos todos os dias sem sequer pestanejar. Também podemos usar roupas masculinas em público sem grandes problemas. Quando foi a última vez que alguém questionou uma mulher que usava camisola e calças de ganga, por exemplo (além de alguma publicação chorosa num fórum online, e essas publicações não contam como realidade de qualquer forma)?
Para os homens, porém, o ato de usar roupas femininas em público é uma espécie de ato de desafio. Isso quebra as regras. Isso choca os espectadores. Atrai olhares furtivos e risos.
Padrão duplo
Nem todas estas coisas são más. A maioria de nós cresce dentro deste duplo padrão, sem nunca o questionar. Sei que certamente não sabia até conhecer um homem que usava lingerie e começar a ver o mundo através dos seus olhos.
As pessoas que não são recetivas à mudança tendem a tornar-se defensivas ou agressivas
É fácil julgar as pessoas por não verem a desigualdade, mas a verdade é que, como humanos, tendemos a ver apenas as coisas que nos afetam. Poder-se-ia chamar a isto egocentrismo, mas na realidade é provavelmente mais o resultado do facto de que simplesmente não existe uma forma real de compreender todas as questões sociais do mundo ao mesmo tempo. Temos um limite de espaço cerebral, e grande parte dele é ocupado pela tarefa de não cair ao caminhar.
Assim, quando vemos pela primeira vez um homem a usar roupas femininas – seja uma saia, um vestido, umas cuecas ou até mesmo a carregar uma bolsa – as nossas pequenas mentes explodem.
Tipos de reações
Algumas pessoas reagem a esta mudança com raiva e tentam rejeitá-la. ‘É errado’, dizem, ou ‘É gay’. (Rejeitando assim o comportamento, associando-o a um grupo que tem sido tradicionalmente marginalizado e estigmatizado.)
É fácil julgar as pessoas por não verem a desigualdade, mas a verdade é que, como humanos, tendemos a ver apenas as coisas que nos afetam.
Outras pessoas estão mais em cima do muro. “Hã. OK. Acho que se ele quiser, está tudo bem”.
Outras pessoas ainda adoram a ideia e abraçam-na totalmente. Existem algumas evidências de que existem marcadores genéticos associados à recetividade às mudanças. As pessoas altamente receptivas à mudança são geralmente liberais na perspectiva política e não ficam muito perturbadas quando se deparam com visões do mundo marcadamente diferentes das suas. As pessoas que não são recetivas à mudança tendem a tornar-se defensivas ou agressivas quando são apresentadas a pontos de vista, ideias ou realidades que entram em conflito com aquilo que passaram a aceitar. Isto não torna o comportamento certo ou errado, mas explica a desconexão lógica que ocorre quando as pessoas ficam escandalosamente perturbadas com coisas que realmente não as afetam (ou seja, quando os homens usam roupas femininas).
A maioria de nós cresce dentro deste duplo padrão, sem nunca o questionar.
É claro que a genética do temperamento apenas indica como nos sentimos em relação a um sujeito a um nível reptiliano e primitivo. Não é uma desculpa para a intolerância contínua, ou para magoar aqueles que nos rodeiam, impondo-lhes a nossa visão limitada do mundo. Quando compreendemos as motivações que nos movem, temos a hipótese de as ultrapassar, viver uma vida mais feliz e deixar que os outros também vivam vidas felizes.
* Este conteúdo é preciso e verdadeiro, tanto quanto é do conhecimento do autor, e não se destina a substituir o aconselhamento formal e individualizado de um profissional qualificado.