Daniel Agis, especialista em Marketing Omnicanal e IA aplicada à Moda, vai participar no próximo dia 8 de abril no evento de Networking Digi4Fashion. O T Jornal entrevistou o keynote speaker para perceber como a inteligência artificial pode atuar como um multiplicador exponencial das tecnologias existentes e como um acelerador da criação. Ao longo da conversa, Daniel Agis deixa claro que não há espaço para pensar a ITV nos mesmos termos das últimas décadas – a automação e a IA tornaram-se essenciais para a competitividade, eficiência e sustentabilidade do sector. ‘A Transformação digital reinventa a ITV: Cenários para a transição’ é o mote para a intervenção de dia 8 de abril. Programa e inscrições aqui.
Quais são os principais desafios que as empresas têxteis enfrentam ao adotar a transformação digital e como podem superá-los?
Não há dúvida de que o sector têxtil, abrangendo desde a manufatura e a distribuição até todas as áreas criativas, como o design e a comunicação, enfrenta o maior desafio da sua história. Este desafio é particularmente relevante porque, pela primeira vez, ocorre simultaneamente em todas estas áreas, sendo acompanhado por uma velocidade inédita nas mudanças tecnológicas.
Trata-se de uma revolução integral que virá a se desenrolar ao longo desta década.
Se até há pouco falávamos de “transformação digital”, um processo que decorre há mais de dez anos, hoje é mais adequado referir-nos a uma verdadeira “revolução digital”. Esta alteração de paradigma deve-se à eclosão da Inteligência Artificial, que atua como um multiplicador exponencial das tecnologias existentes e como acelerador da criação de soluções inovadoras.
De que forma a automação e a IA podem coexistir com a tradição associada ao sector têxtil e vestuário?
Depende do que entendemos por tradição. Se falarmos de produtos altamente personalizados, associados à produção artesanal, estes continuarão a existir em vários nichos específicos, desde o segmento de luxo aos mercados alternativos. Nestas áreas, a automação e a Inteligência Artificial não só coexistirão com a tradição, como poderão até valorizá-la, permitindo novas abordagens criativas e optimizando processos secundários sem prejudicar a autenticidade.
Por outro lado, se por tradição nos referimos à continuidade dos processos produtivos tal como os conhecemos hoje, especialmente no caso dos produtos destinados ao consumo massificado (não apenas o fast fashion, mas também as marcas de gama média e média-alta produzidas em Portugal), então essa visão tradicional já não tem viabilidade futura. Não há espaço para pensar a Indústria Têxtil e do Vestuário nos mesmos termos das últimas décadas, uma vez que a automação e a IA tornaram-se essenciais para a competitividade, eficiência e sustentabilidade do sector.
A sustentabilidade e a digitalização estão a caminhar juntas nesta transição? Porquê é importante que isso aconteça?
Diria que, mais do que caminhar juntas, a sustentabilidade e a digitalização dependem diretamente uma da outra para alcançar resultados concretos no setor da Moda. A tecnologia é, na verdade, a grande esperança para que toda a fileira têxtil consiga atingir níveis significativos de sustentabilidade, algo que até ao momento não se verificou de forma generalizada e consistente a nível global.
A digitalização permite melhorias fundamentais, como o acesso a fontes de energia mais limpas e económicas, o desenvolvimento de processos avançados de reciclagem e a criação de materiais inovadores com verdadeira capacidade de escala industrial. Além disso, contribui decisivamente para a redução drástica de produtos não vendidos, combatendo o enorme desperdício de recursos que ainda persiste como uma das principais barreiras à sustentabilidade real.
Por estas razões, não só é importante como é indispensável que a sustentabilidade e a digitalização avancem lado a lado nesta transição.
Que tecnologias emergentes têm maior potencial?
As tecnologias emergentes com maior potencial são as relacionadas com a Inteligência Artificial, especialmente os chamados agentes inteligentes, e a robótica avançada, duas áreas que caminham rapidamente para uma convergência total. A explosão destas tecnologias vai muito além da automação básica ou da simples eficiência operacional: estamos perante uma mudança profunda e abrangente que irá redefinir totalmente o panorama da indústria têxtil e da moda.
A produção on demand é um dos cenários futuros da indústria. Acredita que esta tendência pode vir a substituir os modelos de produção em massa?
Acredito que, no futuro, a produção avançará no sentido do modelo ‘on demand’, embora não signifique necessariamente o fim completo da produção em massa.
O que irá ocorrer é uma transição gradual para modelos mais flexíveis e ajustados à procura real, com uma redução significativa da produção antecipada e dos stocks excedentes.
Dentro do conceito ‘on demand’, existem várias abordagens e níveis de aplicação. Vão desde métodos como o Real Time Retail, que ajusta em tempo real a oferta às preferências do mercado, até à produção altamente personalizada de peças únicas feitas à medida do consumidor. Estes diferentes formatos vão coexistir e expandir-se, garantindo eficiência produtiva, redução de desperdícios e maior satisfação do cliente.”
Tem algum exemplo que possa dar de uma marca ou empresa que esteja na vanguarda da transformação digital?
As principais empresas asiáticas, sobretudo os grandes grupos chineses, estão claramente na vanguarda em termos da aplicação intensiva e sistemática da Inteligência Artificial, especialmente em áreas como logística, análise de tendências e personalização da oferta ao consumidor.
Contudo, não são as únicas referências. Empresas globais líderes como a Inditex ou a Adidas também podem ser consideradas exemplos relevantes desta transformação digital. Ambas têm vindo a incorporar progressivamente a IA em múltiplos processos internos, desde a produção até à distribuição, permitindo ganhos significativos em eficiência operacional, maior rapidez de resposta às tendências do mercado e uma oferta mais ajustada às expectativas dos consumidores.
Com a digitalização há uma maior personalização na jornada do consumidor. Como podem as empresas tirar partido desta personalização e aumentar simultaneamente as vendas e taxa de fidelização?
A digitalização e a Inteligência Artificial estão a abrir caminho para níveis de personalização sem precedentes. As empresas podem tirar partido desta realidade desenvolvendo estratégias altamente segmentadas, que vão desde a criação de produtos específicos às preferências individuais, até experiências de compra personalizadas que geram vínculos emocionais mais fortes entre consumidor e marca.
Ao antecipar e compreender melhor as necessidades e expectativas dos consumidores através da análise avançada de dados, as empresas têm a oportunidade não só de aumentar vendas imediatas, mas também de reforçar significativamente a fidelização a longo prazo.
Contudo, é necessário ter em conta que esta revolução digital irá transformar profundamente não apenas os hábitos de consumo, mas também o contexto social e laboral em que estes hábitos são formados. As estratégias comerciais terão, inevitavelmente, que ser totalmente repensadas para se adaptarem a uma nova realidade da sociedade que já começou a desenhar-se.